segunda-feira, 31 de maio de 2010

“A Conquista da Felicidade”, parte 1.4 (O Aborrecimento e a Agitação)


“O aborrecimento, como factor da conduta humana, tem sido, na minha opinião, menos estudado do que merece. Suponho no entanto que ele foi sempre uma das grandes forças motoras da história do mundo e presentemente mais do que nunca. O aborrecimento parece ser uma emoção caracteristicamente humana.”

“Uma das características essenciais do aborrecimento consiste no contraste entre as circunstâncias presentes e outras mais agradáveis que exercem uma força irresistível sobre a imaginação.”

“O aborrecimento é essencialmente um desejo frustrado de aventuras, não necessariamente agradáveis, mas pelo menos de incidentes que permitam à vítima do tédio distinguir um dia dos outros dias. O oposto do aborrecimento é, numa palavras, não o prazer, mas sim a agitação.
O desejo de agitação está muito arreigado nos seres humanos, em especial nos homens. Suponho que na idade da caça tal desejo era satisfeito mais facilmente do que em qualquer época posterior. Tanto a caça, como a guerra, como o amor eram apaixonantes. Um selvagem, se queria praticar o adultério com uma mulher, tinha de o fazer enquanto o marido dormia junto dela, sabendo que isso significava para ele a morte se o marido entretanto acordasse.”

“Nós hoje aborrecemo-nos menos do que se aborreceram os nossos antepassados, no entanto temos mais medo do aborrecimento. Acabámos por saber, ou melhor, por acreditar que o tédio não faz parte do destino natural do homem, e que pode ser evitado se procurarmos as emoções com energia suficiente.”

“À medida que subimos na escala social as exigências de emoções tornam-se ainda mais intensas. Os que podem permitir-se esse luxo estão sempre em movimento, de lugar em lugar, e para onde vão levam consigo a alegria, agora dançando, logo bebendo, mas por qualquer razão desconhecida esperando sempre gozar ainda mais em qualquer outro sítio. Os que precisam de ganhar a vida habituam-se à sua quota-parte de aborrecimento e de obrigações durante as horas de trabalho, mas os que têm bastante dinheiro para viver sem trabalhar criam o ideal de uma vida completamente liberta de tédio. O ideal é nobre e longe de mim a ideia de desacreditar, mas receio que, como outros ideais, seja mais difícil de realizar do que os idealistas supõem. Em primeiro lugar, as manhãs são tanto mais aborrecidas quanto a noite anterior foi mais divertida. Haverá também a meia-idade e possivelmente a velhice. Aos vinte anos os homens pensam que a vida acaba aos trinta.”

“Um pouco de aborrecimento talvez seja até indispensável à vida. O desejo de o evitar, no entanto, é absolutamente natural e todas as raças humanas o manifestam sempre que a oportunidade se apresenta.”

“O aborrecimento, no entanto, não deve ser olhado como totalmente nocivo. Podemos mesmo distinguir nele duas espécies: uma fecunda e outra embrutecedora. A primeira resulta da ausência de narcóticos e a segunda da ausência de actividades vitais. Não quero dizer com isto que os narcóticos não possam por vezes ser até benéficos.”

“Uma vida demasiado repleta de agitação é uma vida esgotante que continuamente exige estimulantes mais fortes para provocar as emoções que acabam por ser consideradas parte essencial do prazer.”

Certa capacidade para suportar o aborrecimento é pois essencial a uma vida feliz e isso era uma das coisas que deviam ser ensinadas aos jovens.”

“Nenhuma grande obra é possível sem trabalho persistente, tão absorvente e tão penoso, que poucas energias deixa para os divertimentos mais esgotantes, a não ser os que servem, durante as férias, para recuperar a energia física e dos quais o alpinismo é o melhor exemplo.”

“A excitação é da mesma natureza dos narcóticos que cada vez se tornam mais exigentes, e a passividade física durante a excitação é contrária ao instinto.”

Por todas estas razões, uma geração incapaz de suportar o aborrecimento será uma geração de homens medíocres, de homens que se divorciaram indevidamente do lento progresso da Natureza, de homens nos quais murcham lentamente todos os impulsos vitais, como se fossem flores cortadas num vaso.”

O amor é uma experiência pela qual todo o nosso ser é renovado e refrescado como o são as plantas pela chuva após a seca. Nada disso sucede nas relações sexuais a que o amor é alheio. Quando o prazer momentâneo finda, sobrevêm a fadiga, o desgosto e o sentimento de vida vazia. É que o amor faz parte da vida da terra e o desejo sexual sem amor não faz.”
Bertrand Russel

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