segunda-feira, 24 de maio de 2010

“A Conquista da Felicidade”, parte 1.3 (O Espírito de Competição)


“Se se perguntar a um americano ou a um homem de negócios inglês o que estraga mais o seu prazer da existência, ele responderá: ‘a luta pela vida’. Di-lo-á com toda a sinceridade, pois pensa assim. Em certo sentido isso é verdade, mas noutro, e muito importante, essa afirmação é profundamente falsa.”

“É muito estranho que apenas poucos homens compreendam que não estão irremediavelmente amarrados à engrenagem torturante de um trabalho monótono e que a maioria continue presa ao seu rodar só por não se aperceber que com esse trabalho não alcança plano mais elevado.”

“Nunca lhes vem à ideia que ele é uma vítima da ambição e talvez, na realidade, isso não seja a verdade exacta, como também a viúva indiana que se sacrificava na pira funerária do marido não era absolutamente o que parecia ao observador europeu.”

“Enquanto ambicionar o êxito e estiver convencido que é dever do homem procurá-lo com afã, enquanto considerar aquele que o não procura como uma pobre criatura, a sua vida continuará a ser demasiado concentrada e demasiado inquieta para poder ser feliz.”

“Além disso, mede-se a inteligência pelo dinheiro que se ganha. Um homem que ganha um dinheirão é um homem inteligente; um que não ganha tanto, não é. Ora ninguém gosta de ser tomado por imbecil. Por isso, quando o mercado está irregular, os homens sentem o mesmo que os estudantes em épocas de exame.”

“A raiz do mal reside no facto de se insistir demasiadamente que no êxito da competição está a principal fonte de felicidade.”

“Como nas profissões liberais nenhum estranho pode distinguir se um médico sabe na realidade muito de medicina ou se um advogado conhece profundamente as leis, é mais fácil julgar os méritos de cada um pelos rendimentos que lhes são atribuídos através do seu nível de vida.”

“No séc. XVIII, uma das características do gentleman era tirar um prazer sentencioso da literatura, da pintura e da música. Nos nossos dias podemos discordar desse gosto, mas temos de reconhecer que ele era pelo menos sincero. Presentemente, o homem rico procura ser um tipo completamente diferente. Nunca lê. Se deseja criar uma galeria de pintura, para aumentar a sua fama, encarrega peritos de escolherem os quadros; o prazer que sente não é o prazer de contemplar as telas, mas sim o de impedir que outro ricaço qualquer as possua.”

“A importância do espírito de competição na vida moderna está em relação com o declínio do nível de cultura, tal como sucedeu em Roma depois do século de Augusto. Homens e mulheres parece terem-se tornado incapazes de apreciar os prazeres mais intelectuais. A arte da conversação, por exemplo, levada à perfeição nos salões franceses do século XVIII, era ainda há quarenta anos uma tradição viva. Era uma das artes mais delicadas, que requeria grandes faculdades de espírito, mas a sua finalidade era absolutamente evanescente.”

“O conhecimento da boa literatura, que era universal entre as pessoas educadas de há cinquenta anos, está agora confiado a poucos professores. Todos os prazeres mais tranquilos foram abandonados.”

“O mal não está simplesmente no indivíduo, nem o indivíduo sozinhos pode impedi-lo no seu próprio caso isolado. O mal reside na filosofia de vida geralmente admitida, que concebe a existência como uma luta, uma competição, na qual é devido respeito ao vencedor. Esta concepção leva as pessoas a cultivarem indevidamente a vontade, a expensas do sentimento e da inteligência. Possivelmente, dizendo isto, nós pomos o carro à frente dos bois.”

Aqueles a quem a sua concepção de vida lhes causa tão pouca felicidade que não desejam gerar filhos, estão biologicamente condenados.”

“O espírito de competição, considerado como a principal razão da vida, é demasiado inflexível, demasiado tenaz, demasiado composto de músculos tensos e de vontade decidida para servir de base possível à existência durante mais de uma ou duas gerações. Depois desse espaço de tempo, deve produzir-se uma fadiga nervosa, vários fenómenos de evasão, uma procura de prazeres tão tensa e tão penosa como o trabalho (pois o afrouxamento tornou-se impossível) e finalmente o desaparecimento da raça devido à esterilidade. Não somente o trabalho é envenenado pela filosofia que exalta o espírito de competição mas os ócios são-no na mesma medida. O género de descanso que acalma e restaura os nervos chega a ser aborrecimento. Produz-se fatalmente uma aceleração contínua cujo fim normal são as drogas e a ruína. O remédio consiste na aceitação de uma alegria sã e serena como elemento indispensável ao equilíbrio ideal da vida.”
Bertand Russel

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