segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"A Conquista da Felicidade", parte 2.8 (O Homem Feliz)


“Há coisas indispensáveis à felicidade da maioria dos homens, mas são coisas simples: a alimentação, a casa, a saúde, o amor, o êxito no trabalho, o respeito das pessoas que nos rodeiam. Para alguns, ter filhos é também essencial. Quando tais coisas faltam, somente o homem excepcional é capaz de alcançar a felicidade.”

“Quando as circunstâncias exteriores não forem manifestamente desfavoráveis, o homem deve ser capaz de alcançar a felicidade, se as suas paixões e interesses forem dirigidos para o mundo exterior, em vez de se concentrarem em si próprio. Devemos pois procurar, tanto na educação como nos esforços de adaptação ao mundo, evitar essas paixões egocêntricas e adquirir afeições e interesses que impeçam os nossos pensamentos de se fixarem perpetuamente em nós próprios.”

É o medo a principal razão que torna os homens tão relutantes em aceitar a verdade dos factos e tão desejosos de se envolverem no manto quente do mito.

“Além disso, os que se aludem a si próprios geralmente têm, no fundo, a consciência de que o fazem, e vivem em permanente estado de apreensão, com receio de que um acontecimento desagradável os obrigue a encarar a verdade.”

O homem feliz é o que vive objectivamente, o que tem afeições livres e interesses vastos, o que garante a sua felicidade com esses interesses e afeições, pois eles, por seu turno, tornam-se objecto de interesse e afeição para muitos outros.”

“Os moralistas tradicionais, por exemplo, dirão que o amor deve ser desinteressado. Em certo sentido têm razão, pois o amor não deve ser egoísta em excesso, mas, segundo toda a evidência, deve ser de tal natureza que a felicidade do próprio indivíduo esteja ligada ao seu sucesso.”

“Graças a tais interesses, um homem acaba por se sentir simples elo da corrente da vida e não sólida entidade isolada, à maneira das bolas de bilhar que não têm qualquer relação umas com as outras a não ser quando se chocam. Toda a infelicidade resulta de uma desintegração ou falta de integração; há desintegração no Eu por falta de coordenação entre o consciente e o inconsciente; há falta de integração entre o Eu e a sociedade quando os dois não estão unidos pela força dos interesses e afeições objectivas. O homem feliz é aquele que não sofre de nenhuma destas faltas de unidade, cuja personalidade não está dividida contra si própria nem em conflito com o mundo. Um tal homem sente-se cidadão do universo, goza livremente o espectáculo que ele lhe oferece e as alegrias que lhe permite, sem se perturbar com o pensamento da morte, porque realmente não se sente separado daqueles que vierem depois dele. É nessa união profunda e instintiva com a corrente da vida que se podem encontrar as alegrias mais intensas.”
Bertrand Russel

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