terça-feira, 15 de junho de 2010

"A Conquista da Felicidade", parte 1.6 (A Inveja)


“Depois da inquietação, a inveja é provavelmente uma das mais poderosas causas de infelicidade. A meu ver é mesmo uma das paixões mais universais e mais profundamente enraizadas no homem.”

“A inveja desempenha um papel muito importante na vida da maior parte das mulheres respeitáveis. Quando no metropolitano passar por vós uma mulher bem vestida, observai os olhares das outras mulheres. Vereis que todas, possivelmente com excepção das que estão ainda mais bem vestidas do que ela, a seguem com olhares malévolos e se esforçam por tirar do facto deduções depreciativas. O amor ao escândalo é uma expressão dessa malevolência geral: qualquer história contra outra mulher é imediatamente acreditada, mesmo que as provas sejam insignificantes. Uma moralidade austera é utilizada com o mesmo propósito: as que têm oportunidade de pecar são invejadas e considera-se uma virtude puni-las por esses pecados. Esta forma especial da virtude tem certamente a sua própria recompensa.”

“De todas as características que são vulgares na natureza humana a inveja é a mais desgraçada; o invejoso não só deseja provocar o infortúnio e o provoca sempre que o pode fazer impunemente, como também se torna infeliz por causa da sua inveja. Em vez de sentir prazer com o que possui, sofre com o que os outros têm. Se puder, priva os outros das suas vantagens, o que para ele é tão desejável como assegurar as mesmas vantagens para si próprio. Se uma tal paixão toma proporções desmedidas, torna-se fatal a todo o mérito e mesmo ao exercício do talento mais excepcional.”

Afortunadamente, porém, há na natureza humana um sentimento compensador, chamado admiração. Todos os que desejem aumentar a felicidade humana devem procurar aumentar a admiração e diminuir a inveja.”

“Mas, pondo os santos de parte, o único remédio para a inveja, no caso dos homens e mulheres vulgares, é a felicidade; o pior é que a própria inveja representa um obstáculo terrível para a felicidade.”

“Mas o invejoso pode pensar: “De que serve dizerem-me que o remédio para a inveja é a felicidade? Eu não posso encontrar felicidade enquanto sinto inveja e dizem-me que não posso deixar de ser invejoso enquanto não encontrar a felicidade.” Mas a vida real nunca é tão lógica. Compreender somente as causas da sua própria inveja já é dar um grande passo em direcção à cura.
O hábito de pensar em termos de comparação é um hábito fatal. Tudo o que nos sucede de agradável deve ser plenamente apreciado, sem que ninguém se detenha a pensar que isso não é tão agradável como alguma coisa mais que possivelmente tenha acontecido ao vizinho.”

O homem sensato não deixa de sentir prazer com o que tem pelo facto de alguém ter mais ou melhor. A inveja, na realidade, é uma forma de vício, em parte moral, em parte intelectual, que consiste em não ver as coisas em si mesmas mas somente em relação com outras.”

“Para tudo isto o remédio próprio é a disciplina mental, o hábito de não alimentar pensamentos inúteis. Depois de tudo, o que é mais invejável do que a felicidade?”

“Pode-se combatê-la, sim, pelo gozo dos prazeres que se nos oferecem, pelo trabalho que tivermos de realizar e evitando comparações com aqueles que imaginamos, talvez sem razão, mais ditosos do que nós.
A falsa modéstia tem um grande papel na inveja. A modéstia é considerada como uma virtude, mas eu duvido que nas suas formas mais extremas mereça ser considerada como tal. As pessoas modestas carecem muito que as tranquilizem e geralmente não se atrevem a ensaiar tarefas que não sejam capazes de executar perfeitamente. As pessoas modestas julgam-se eclipsadas por aqueles com quem habitualmente convivem e por isso são particularmente inclinadas para a inveja origina descontentamentos e má vontade.”

“A inveja, bem entendido, está estreitamente ligada ao espírito de competição.”

a fadiga, particularmente, é com frequência a causa da inveja. Se um homem se sente incapaz de executar o seu trabalho, sofre um descontentamento geral que tem tendência para tomar a forma de inveja em relação àqueles cujo trabalho é menos exigente. Um dos meios para diminuir a inveja, portanto, é diminuir a fadiga. Mas o mais importante ainda é garantir uma vida que satisfaça o instinto. Muitas invejas que parecem puramente profissionais têm na realidade uma origem sexual.”

Para encontrar a saída conveniente desse desespero, o homem civilizado tem de engrandecer o coração como engrandeceu o espírito. Deve aprender a transcender-se e, ao fazê-lo, a adquirir a liberdade do universo.”
Bertrand Russel

1 comentário:

a4m disse...

O facto de a última palavra dos Lusiadas ser a "enveja", não é inocente. Volvidos 500 anos, pareçe que nada mudou. Resta-nos a esperança.

Artur