domingo, 6 de junho de 2010

“A Conquista da Felicidade”, parte 1.5 (A Fadiga)


“Há várias géneros de fadiga, mas alguns são obstáculos mais importantes à felicidade do que outros. A fadiga puramente física, desde que não seja excessiva, é de certa maneira causa da felicidade; dá um sono profundo e um bom apetite, e empresta melhor sabor aos prazeres que os ócios permitem. Mas quando essa fadiga é excessiva torna-se muito perigosa.”

“O género de fadiga que presentemente é mais importante nesses países [mundo moderno] é a fadiga nervosa. Esta fadiga, por estranho que pareça, é mais frequente nas pessoas abastadas e atinge com maior facilidade os homens de negócios e os intelectuais do que os assalariados.”

“Outra causa da fadiga, da qual quase não nos apercebemos, é a constante presença de estranhos. O instinto natural do homem, como o dos outros animais, é de observar todos os estranhos da sua espécie, com o propósito de descortinar se cada um deles se comportará como amigo ou como inimigo. Esse instinto tem de ser reprimido pelos que viajam no metropolitano nas horas de maior afluência, e o resultado dessa inibição é sentirem uma raiva geral e difusa contra todos os estranhos com os quais estão involuntariamente em contacto.”

“Em grande parte uma tal fadiga é devida a inquietações que poderiam ser evitadas por uma melhor filosofia da vida e um pouco mais de disciplina mental. A maior parte dos homens e mulheres não governam eficazmente os seus pensamentos. Quero com isto dizer que eles não podem deixar de pensar nos assuntos que os atormentam, mesmo quando nesse momento nenhuma solução lhes podem dar. Os homens levam muitas vezes para a cama as suas inquietações em matéria de negócios e, durante a noite, quando deviam ganhar novas forças para enfrentar os dissabores do dia seguinte, é nelas que pensam, repetidas vezes, embora nesse instante nada possam fazer; e pensam nos problemas que os inquietam, não de forma a encontrar uma linha de conduta firme para o dia seguinte, mas nessa semidemência que caracteriza as agitadas meditações da insónia. De manhã, qualquer coisa dessa demência nocturna persiste ainda neles, obscurece-lhes o julgamento, rouba-lhes a calma, de forma que qualquer obstáculo os enfurece. O homem sensato só pensa nas suas inquietações quando julga de interesse fazê-lo; no restante tempo pensa noutras coisas e à noite não pensa em coisa nenhuma. Não quero dizer que numa grande crise, por exemplo, quando a ruína está iminente, ou quando um homem tem razões para suspeitar que a mulher o atraiçoa, seja possível, a não ser a alguns espíritos excepcionalmente disciplinados, afastar o tormento nos momentos em que nada se pode fazer para o remediar. Mas é perfeitamente possível afastar as pequenas inquietações de todos os dias, a não ser que seja necessário enfrentá-las. É surpreendente como a felicidade e a eficiência aumentam quando se cultiva um espírito ordenado que pensa adequadamente no momento preciso em vez de inadequadamente em todos os momentos. Quando uma decisão difícil tem de ser encontrada, logo que se reúnem todos os dados aplica-se ao assunto a melhor reflexão e decide-se; essa decisão, uma vez tomada, não deve ser corrigida, a não ser que se chegue ao conhecimento de novos factos. Nada é tão fatigante como a indecisão e nada é tão fútil.

“Mas mais importante do que estas considerações egocêntricas é o facto do nosso Eu não ter um grande lugar no mundo. O homem que pode concentrar os seus pensamentos e as suas esperanças em qualquer coisa de transcendente em relação a si mesmo, pode encontrar uma certa paz no seio das habituais inquietudes da vida, o que é impossível a um egoísta puro.”

Na vida moderna, o género de fadiga de maior importância é sempre de natureza emocional; a fadiga puramente intelectual, como a fadiga puramente muscular, encontra o seu próprio remédio no sono. (…) O mal que se atribui ao trabalho excessivo raramente é devido a essa causa, mas sim, de alguma maneira, à inquietação ou à ansiedade. O que torna perigosa a fadiga emocional é o facto de interferir com o repouso.”

A maior parte do inconsciente consiste no que outrora foi pensamento consciente altamente emotivo e ora se tornou oculto. É possível realizar deliberadamente esse processo de ocultação e dessa forma o inconsciente pode ser levado a fazer muito trabalho útil. Tenho verificado, por exemplo, que se tenho de escrever sobre algum assunto muito difícil o melhor plano é pensar nele com grande intensidade – a maior intensidade de que sou capaz – durante algumas horas ou alguns dias, e no final desse tempo ordenar, por assim dizer, que o trabalho prossiga inconscientemente. Depois de alguns meses, volto conscientemente ao assunto e verifico que o trabalho se realizou.”

“Quando alguém se sente atraído por qualquer ansiedade, não importa qual, o melhor processo é pensar nela ainda mais do que pensaria naturalmente, até que por fim a mórbida fascinação desaparece.”

Uma mulher que é corajosa deve esconder esse facto se quiser agradar aos homens. Pensa-se mal do homem que de nada tem medo, a não ser de um perigo físico. A indiferença para com a opinião pública, por exemplo, é considerada como um desafio e a sociedade faz o que pode para punir quem ousa escarnecer da sua autoridade. Tudo isto é inteiramente o contrário do que devia ser.”

“Uma das piores características da fadiga nervosa é a que age como uma espécie de separação entre o homem e o mundo exterior. As impressões atingem-no como que esbatidas, sem vigor; só repara nas pessoas para se irritar com pequenos artifícios e maneirismos; não encontra prazer nas refeições nem no brilho do sol, e tende a concentrar-se sobre raros objectos e a ser indiferente para todos os outros.”

Bertrand Russel

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