sábado, 14 de agosto de 2010

"A Conquista da Felicidade", parte 2.1 (A Felicidade é ainda possível?)


“Suponho que essas duas formas [de felicidade] podem classificar-se de simples e ideal, animal e espiritual, emocional e intelectual. (…) Talvez a forma mais simples de descrever a diferença entre essas duas espécies de felicidade seja dizer que uma é acessível a qualquer ser humano e a outra apenas àqueles que sabem ler e escrever.”

“O prazer da realização requer dificuldade tais que antecipadamente o triunfo seja considerado duvidoso, embora acabe, em geral, por ser um facto. Essa é talvez a razão principal porque um apreço, que não seja excessivo, dos próprios méritos é necessário à felicidade. O homem que se deprecia fica sempre surpreendido com os seus triunfos, enquanto o homem que tem em si confiança excessiva fica frequentemente surpreendidos com os seus malogros. A primeira surpresa é agradável, a segunda não é. Por isso a prudência aconselha que não se seja demasiado modesto nem demasiado vaidoso.”

“Todas as condições da felicidade estão realizadas na vida do homem da ciência. Tem uma actividade que lhe permite utilizar plenamente todas as suas capacidades e alcança resultados considerados importantes não somente por si, mas também pelo público em geral, ainda quando este não os possa apreciar devidamente. Neste ponto é mais afortunado do que o artista. Quando o público não compreende um quadro ou um poema, conclui que é um mau quadro ou um mau poema. Mas quando não pode compreender a teoria da relatividade conclui, com razão, que a sua cultura é insuficiente. Por isso Einstein é admirado enquanto os melhores pintores morrem de fome nas mansardas e Einstein é feliz enquanto os pintores são infelizes.”

“O cinismo, tão frequente no Ocidente, entre os jovens mais cultos de ambos os sexos, resulta da combinação do conforto e da impotência. A impotência dá às pessoas a impressão de que nada vale a pena ser feito e o conforto torna insuportável esse sentimento doloroso. Em qualquer universidade do oriente, o estudante pode esperar ter maior influência na opinião pública do que nos países ocidentais modernos, mas tem muito menos oportunidades do que no Ocidente de alcançar um rendimento substancial. Com o poder de agir mas sem conforto material, torna-se um reformador ou um revolucionário, nunca num cínico. A felicidade do reformador ou do revolucionário depende da evolução dos negócios públicos, mas possivelmente, mesmo quando é executado, goza duma felicidade mais real do que a do cínico que vive confortavelmente.”

“As tolices e as manias são, no entanto, em muitos casos, talvez na maior parte, não uma fonte de felicidade fundamental, mas um meio de fugir à realidade, de esquecer por um momento alguma dor demasiado difícil de ser suportada. A felicidade fundamental depende mais do que qualquer outra coisa do que se pode chamar um interesse amistoso pelas pessoas e pelas coisas.”
Bertrand Russel

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