sábado, 5 de dezembro de 2009

"Uma crónica sobre o amor"



"O amor, é preciso vivê-lo com o tédio e tudo." Marguerite Duras

"Temos cada vez mais medo do tédio. Porque não ousamos ter imaginação para o superar. Nem concentração para nos entregarmos. Dizemos que não temos tempo - o que é um paradoxo, porque nunca como hoje tivemos tanto tempo, e nunca como hoje dispusemos de tanta liberdade para escolher o que fazer com o nosso tempo.

Não é de serem felizes que as pessoas têm medo; é de escolher - da responsabilidade da escolha, do compromisso que ela acarreta. Aprendemos que o amor não se escolhe, o que só em parte é verdade. Como demonstrou D. H. Lawrence em O Amante de Lady Chatterley - um romance que vale por dez tratados de sexologia, os especialistas que me desculpem -, escolhemos com o cheiro, escolhemos com a pele, escolhemos com o olhar, escolhemos com o sangue. O problema é que deixámos de usar o olfacto, o tacto e a visão, deixámos de escutar o batimento do sangue, e decidimos escolher-nos uns aos outros através de 'afinidades', isto é, através de combinatórias de personalidade. Assim baralhamos o amor e a amizade, e, muitas vezes, acabamos por perder uma e outra coisa. Além disso, vivemos num palco de expectativas extraordinárias: se não acontece um fogo-de-artifício é pico da primeira vez que fazemos amor com alguém, é porque, afinal, nos enganámos.

Pensamos demasiado, fazemos demasiados cálculos - e sonhamos cada vez menos, entregamo-nos cada vez menos. De que falamos quando falamos de entrega? Cépticos e desconfiados à partida, ancorados no rol das decepções passadas ou do falhanço futuro, que temos de genuíno e único para entregar? De tão pouco arriscarmos, arriscamo-nos a descobrir demasiado tarde que a 'fera' que nos mudaria a vida passou por nós, desejou-nos, amou-nos - e morreu sem que tivéssemos dado por isso.

Desgastamo-nos a jogar às vítimas e aos verdugos, a fazer listas de culpas e vinganças, umas e outras pífias, frágeis balões para egos ufanos, mal talhados, embrutecidos por essa contrafacção do amor-próprio que é a vaidade. Chamamos amor ao pavor da solidão, aos sonhos que não fomos capazes de cumprir, à necessidade de afirmação, a toda a tralha com que disfarçamos a pergunta essencial: quem sou eu?"

Inês Pedrosa, in Única 13 Dez 2008

Sem comentários: