quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Fidelidade vs Lealdade



"(...) O homem português confunde a fidelidade com a lealdade. É infiel à mulher mas considera-se (e orgulha-se de ser) leal. Porquê? Porque não a deixa. Porque é mãe dos filhos dele e isso nunca pode ser perdoado. Mas também porque quer ter, ao mesmo tempo, o máximo número possível de mulheres. Como o maior terror do homem português é ser encornado, ser infiel à primeira oportunidade é como tirar um seguro contra o cabronato. Os cornos não lhe doem menos mas pode sempre dizer aos amigos que foi ele que a enganou primeiro.

(...) Os homens existem em função dos outros homens. Só entre os outros homens é que passam por machões. Fingem e convencem-se de que a infidelidade é inevitável; é um destino. Se por acaso não forem infiéis, dão justificações épicas: "Eu amo-a tanto que não era capaz de lhe fazer isso." Ficam com o amor e ela com as culpas todas, já que, biologicamente e sem culpa nenhuma dele, vontade não lhe faltava.

As mulheres portuguesas apreciam a infidelidade com proporções mais humanas, como segredo, prazer, aventura, vingança, satisfação de uma curiosidade, loucura momentânea, variação. Mas não fingem admirar a infidelidade nem se gabam de a distinguir da lealdade. Não as distinguem.

(...) É perfeitamente plausível um argumento deste cariz, apresentado por um homem português: "Sim, fui para a cama com outras gajas, porque estava na merda, e fui desleal contigo quando te disse que era do Sporting, para poder ir com a Dora a Alvalade, em vez de ir ver o Benfica contigo - mas nunca te traí, como tu agora me traíste telefonando a esse gajo que trabalha comigo, foda-se; nunca te traí: nunca deixei que nenhuma dessas gajas duvidasse do amor que tenho por ti ou lhes dei esperanças de alguma delas poder vir a substituir-te!"

(...) Leais somos, quando não podemos deixar de ser. Leais somos, quando nem pomos a hipótese (nem dispomos dos meios, nem temos a menor vontade) de não ser. Só fazemos merda quando nos é dada a possibilidade de escolher. E esconder e não sermos apanhados. Isto é, quando há amor. Quando ainda se está à procura dele, ou de esquecer o que se encontrou e, pouco depois, desapareceu. Que mal tem ser-se infiel quando se é infeliz? Nenhum. Até faz bem."

Miguel Esteves Cardoso, in "Nós fiéis", edição n.º 117 do i

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