quinta-feira, 26 de novembro de 2009

"Os portugueses têm pelas palavras um amor platónico..."



"O que gasta as palavras não é o excesso de uso, mas a falta de correspondência.
O que é o amor, quando não é acto de dádiva? Sem gestos, trabalho, coragem, as palavras secam.
O amor dos portugueses pelas palavras é demasiado platónico. Habituámo-nos à beleza das palavras nos livros, uma beleza de folhas secas, outonal, consolação desconsolada do que podia ser mas nunca foi.
Vivemos de sonhos e queixumes, alucinados pelo que nos falta e faltando à realidade que os sonhos nos pedem. Adiamos. Adiamo-nos.
Dizemos que matamos o tempo e deixamos que o tempo nos mate. Um dia destes, pensamos, vou dizer tudo o que não disse. Vou fazer tudo o que não fiz. Pensamo-lo com raiva e desespero e vontade e paixão, solitários por entre as gentes. Depois respiramos fundos e adiamos. Por medo ou brandura ou nem isso. Coisas mais pequenas: cagaço, moleza. (...)
E o amor não correspondido desmorona-se, apaga-se, desfaz-se em névoa e amargura."
Inês Pedrosa, in Revista Única, 14 Nov 2009

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